A notícia refere-se à contribuição previdenciária conhecida como “Funrural”, nome advindo de da contribuição instituída pela Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971, destinada à previdência dos trabalhadores rurais, o chamado Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Essa contribuição veio a ser substituída por aquela aqui tratada, vindo a ser disposta nos arts. 12, V, “a”, e 25, I e II, da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, com redação dada pela Lei n. 8.540, de 22 de dezembro de 1992, e supervenientes alterações.
A Lei n. 8.540/1992, na parte em que trouxe uma nova redação ao art. 25 da Lei n.º 8.212/1991, foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário (RE) n. 363.852/MG [1].
Esse julgamento foi posteriormente reiterado, em sede de julgamento de repercussão geral, ou seja, com base no então vigente art. 543-B, do CPC/1973, em decisão assim ementada:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA. EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA. INCIDÊNCIA SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO. ART. 25 DA LEI 8.212/1991, NA REDAÇÃO DADA PELO ART. 1º DA LEI 8.540/1992. INCONSTITUCIONALIDADE. I – Ofensa ao art. 150, II, da CF em virtude da exigência de dupla contribuição caso o produtor rural seja empregador. II – Necessidade de lei complementar para a instituição de nova fonte de custeio para a seguridade social. III – RE conhecido e provido para reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 8.540/1992, aplicando-se aos casos semelhantes o disposto no art. 543-B do CPC”[2].
Ocorre que já tinha havido tentativa do Poder Legislativo em sanar o vício que posteriormente viria ser reconhecido pelo STF, nos julgados mencionados.
A Emenda Constitucional de n. 20, de 15 de dezembro de 1998, entre diversas modificações, trouxe uma nova redação para o art. 195, I, da Carta Maior, e, após essa Emenda Constitucional, adveio a Lei n. 10.256, de 9 de julho de 2001, que modificou caput do art. 25 da Lei n. 8.212/1992 (dando-lhe a redação que até hoje subsiste), permanecendo os incisos (que definem o critério quantitativo do tributo) com a redação dada pela inconstitucional (consoante o STF, no RE 596.177) Lei n. 9.528/1997.
Assim é que, muito embora esteja pacificada a inconstitucionalidade da chamada “contribuição ao Funrural” no período de vigência da Lei n. 8.540/2012, com alterações subsequentes, a partir da Lei n. 10.256/2001, a jurisprudência ainda é divergente.
A decisão proferida na Apelação Cível n. 0003540-60.2011.4.01.3701/MA, aqui noticiada, reitera jurisprudência já pacificada no âmbito do TRF da 1ª Região. Para esse Tribunal, mesmo após a Lei n. 10.256/2001, a inconstitucionalidade daquela contribuição persiste, seja porque o julgamento do STF apontou outros vícios que não foram sanados por essa lei, seja porque permanecem os incisos do art. 25, da Lei 8.212/1992, que definem o critério quantitativo do tributo (alíquota e base de cálculo), ainda regidos por lei declarada inconstitucional no RE 596.177.
Esse entendimento, reiterado naquele Tribunal, cuja região abrange os estados da região norte, além de Mato Grosso, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Piauí, Minas Gerais e Tocantins, também é acompanhado pelo TRF da 4ª Região (região sul do país), inclusive com julgamento pacificado pela Corte Especial desse Tribunal[3].
O posicionamento contrário é adotado pelos TRFs da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul)[4], da 5ª Região (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe)[5] e da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo)[6], que entendem que a Lei n. 10.256/2001 sanou os vícios que levavam à inconstitucionalidade da exação.
A decisão definitiva caberá ao STF, que já reconheceu a repercussão geral de Recurso Extraordinário que levanta a inconstitucionalidade do tributo ao Funrural após a Lei n. 10.256/2001, no RE 718.874[7]. No dia 26 de outubro de 2016, o atual relator desse recurso, Ministro Edson Fachin, determinou a suspensão de todos os processos pendentes que tratem sobre essa matéria, conforme determina o art. 1.035, §5º, do novo Código de Processo Civil.
[1] STF – RE 363.852/MG – Rel. Min. Marco Aurélio; Pleno; votação unânime – j. 03/02/2010; DJe 23/04/2010. Ementa: “[…] CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS – PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS – SUB-ROGAÇÃO – LEI Nº 8.212/91 – ARTIGO 195, INCISO I, DA CARTA FEDERAL – PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 – UNICIDADE DE INCIDÊNCIA – EXCEÇÕES – COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PRECEDENTE – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo – considerações”.
[2] STF – RE 596.177 Repercussão Geral: Mérito – Pleno; Rel. Min. Ricardo Lewandowski – j. 01/08/2011; DJe-165, 29/08/2011.
[3] TRF4, ARGINC 2008.70.16.000444-6, CORTE ESPECIAL, Relator ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA, D.E. 20/07/2011. A título de exemplo, cf. outro julgado mais recente no mesmo sentido: TRF4 5003060-25.2016.404.7003, SEGUNDA TURMA, Relator ROBERTO FERNANDES JÚNIOR, juntado aos autos em 13/10/2016.
[4] A título de exemplo, cf. TRF3 – APELREEX 00044356120104036106, JUIZ CONVOCADO RENATO TONIASSO, Primeira Turma, e-DJF3 Judicial 1 15/07/2016.
[5] A título de exemplo, cf. TRF 5 – APELREEX 00067167420104058000, Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho, Segunda Turma, DJE 08/07/2016, p. 38; e TRF5 – AC 00019192320134058300, Desembargador Federal Flávio Lima, Primeira Turma, DJE 02/05/2014, p. 194.
[6] A título de exemplo, cf. TRF2 – AC 201251010074454, Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES, QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R 15/09/2014.
[7] “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA. RECEITA BRUTA. COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO. ART. 25 DA LEI 8.212/1991, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 10.256/2001. CONSTITUCIONALIDADE. I – A discussão sobre a constitucionalidade da contribuição a ser recolhida pelo empregador rural pessoa física, prevista no art. 25 da Lei 8.212/1991, com a redação dada pela Lei 10.256/2001, ultrapassa os interesses subjetivos da causa. II – Repercussão geral reconhecida” (STF – RE 718.874 RG, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 22/08/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 10-09-2013 PUBLIC 11-09-2013).
Comentário originalmente publicado em Direitoagrario.com.